A Bíblia: palavra de Deus

Nenhum outro livro tem sido tão amado, tão odiado, tão venerado, tão amaldiçoado como a Bíblia. Uns deram a vida por ela, outros mataram por sua causa. Tem inspirado os maiores e mais nobres atos do Homem e tem sido acusada de culpa nas piores e mais condenáveis ações por este cometidas. Houve guerras devastadoras por causa da Bíblia, surgiram revoluções apoiadas na leitura das suas páginas e caíram reinos abalados pelas suas ideias. Pessoas com as mais variadas maneiras de ver – de teólogos da libertação a capitalistas, de fascistas a marxistas, de ditadores a libertadores, de pacifistas a militaristas – procuram nela palavras com as quais possam justificar os seus atos. 

A singularidade da Bíblia não se deve à sua incomparável influência política, cultural e social, mas à sua origem e ao assunto de que trata. Ela é a revelação divina do único Deus-homem: o Filho de Deus, Jesus Cristo – o Salvador do mundo. 

Revelação Divina 

Enquanto, ao longo da História, alguns têm posto em dúvida a existência de Deus, muitos têm confiantemente testificado de que Ele existe e de que Se revelou. De que maneiras Se revelou Deus e qual é o papel da Bíblia nessa revelação? 

Revelação geral. A perceção do caráter de Deus resultante da observação da História, do comportamento humano, da consciência e da Natureza designa-se frequentemente como “revelação geral”, em virtude de ser acessível a todos e de apelar à razão. 

Para milhões de pessoas, “os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sal. 19:1). O sol, a chuva, as montanhas e os rios dão testemunho de um Criador carinhoso. “Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem, pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inexcusáveis” (Rom. 1:20). 

Para outros, a evidência de que existe um Deus afetuoso está nas boas amizades e no amor entre os membros de uma família, entre marido e mulher, entre pais e filhos. “Como alguém a quem consola sua mãe, assim eu vos consolarei” (Isa. 66:13). “Como um pai se compadece dos seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem” (Sal. 103:13). 

Contudo, o mesmo sol que testemunha de um Criador carinhoso pode transformar a terra num ressequido deserto, trazendo a fome e a morte. A mesma chuva pode transformar-se numa inundação que submerge famílias inteiras; a mesma majestosa montanha pode fender-se, desagregar-se e ser esmiuçada. As amizades humanas envolvem muitas vezes ciúmes, inveja, ira e até ódio que leva ao crime. 

O mundo que nos rodeia apresenta uma mistura de sinais que levantam muitas dúvidas e interrogações. Revela um conflito entre o bem e o mal, mas não explica a origem desse conflito, quem está envolvido nele, porquê, ou quem acabará por vencer. 

Revelação especial. O pecado limita a revelação que Deus faz de Si mesmo por intermédio da Criação, obscurecendo-a e reduzindo a nossa capacidade de interpretar o testemunho divino. No Seu amor, Deus deu-nos uma revelação especial de Si mesmo para nos ajudar a obter respostas a estas interrogações. Tanto através do Antigo como do Novo Testamentos, Deus revelou-Se a nós de um modo específico, respondendo a todas as perguntas sobre o Seu caráter de amor. Inicialmente, essa revelação veio por intermédio de profetas. Por fim, a Sua revelação máxima fez-se na pessoa de Jesus Cristo (Heb. 1:1 e 2). 

A Bíblia contém afirmações que declaram a verdade acerca de Deus, mas que também O revelam como pessoa. Ambos os aspetos da revelação são necessários: precisamos de conhecer Deus através de Jesus Cristo (João 17:3) e igualmente “a verdade que existe em Jesus” (Efé. 4:21, NN). Ora, por meio das Escrituras, Deus ultrapassa as nossas limitações mentais, morais e espirituais, dando-nos a conhecer o Seu intenso desejo de nos salvar. 

O Tema Central das Escrituras 

A Bíblia revela Deus e mostra o que é a Humanidade. Mostra a situação difícil em que nos encontramos e revela a Sua solução. Apresenta-nos como perdidos, afastados de Deus, e revela Jesus como Aquele que nos procura e nos leva de novo para Deus. 

Jesus Cristo é o tema central das Escrituras. O Antigo Testamento apresenta o Filho de Deus como o Messias, o Redentor do mundo; o Novo Testamento revela-O como Jesus Cristo, o Salvador. Cada página, seja por meio de símbolos ou descrições reais, revela algum aspeto da Sua obra e do Seu caráter. A morte de Cristo na cruz é a máxima revelação do caráter de Deus. 

A cruz atinge este máximo de revelação porque consegue reunir dois extremos: a imensa maldade do Homem e o inexaurível amor de Deus. Como seria possível ter uma ideia mais completa da falibilidade humana? De que outro modo se poderia manifestar tão abertamente o pecado? A cruz revela um Deus que consentiu na morte do Seu único Filho. Que enorme sacrifício! Que maior demonstração de amor poderia ter feito? O assunto central da Bíblia é, efetivamente, Jesus Cristo. Ele ocupa o centro da cena do drama cósmico. O Seu triunfo no Calvário culminará em breve com a eliminação do mal. Os seres humanos reunir-se-ão a Deus. 

O tema do amor de Deus, particularmente como se vê na morte sacrificial de Cristo no Calvário – a mais grandiosa verdade do Universo –, é o assunto principal da Bíblia. Todas as grandes verdades da Bíblia devem, portanto, ser estudadas nesta perspetiva. 

O Autor das Escrituras 

A autoridade da Bíblia em matéria de fé e prática provém da sua origem. Os seus escritores fizeram distinção entre a Bíblia e outra qualquer literatura. Referiram-se a ela como as “santas escrituras” (Rom. 1:2), os “escritos sagrados” (II Tim. 3:15, RSV) e os “oráculos de Deus” (Rom. 3:2; Heb. 5:12, AAB). 

A singularidade das Escrituras baseia-se na sua origem e fonte. Os escritores da Bíblia declaram que não foram eles a origem das suas mensagens, mas que as receberam de fontes divinas. Foi por revelação divina que puderam “ver” as verdades que transmitiram (ver Isa. 1:1; Amós 1:1; Miq. 1:1; Hab. 1:1; Jer. 38:21). 

Estes escritores apontaram o Espírito Santo como Aquele que comunicou com o povo por intermédio dos profetas (Neemias 9:30; cf. Zac. 7:12). David disse: “O Espírito do Senhor falou por mim e a sua palavra esteve em minha boca” (II Sam. 23:2). Ezequiel escreveu: “Entrou em mim o Espírito”, “o Espírito me levantou” (Eze. 2:2; 11:5, 24). Miqueias testificou: “Sou cheio da força do Espírito do Senhor” (Miq. 3:8). 

O Novo Testamento reconheceu o papel do Espírito Santo na produção do Antigo Testamento. Jesus disse que David foi inspirado pelo Espírito Santo (Mar. 12:36). Paulo acreditava que o Espírito falara “pelo profeta Isaías” (Atos 28:25). Pedro revelou que o Espírito Santo guiou todos os profetas, não apenas alguns
(I Ped. 1:10 e 11; II Ped. 1:21). Por vezes, o escritor apagava-se completamente para que o verdadeiro Autor – o Espírito Santo – aparecesse no primeiro plano: “Diz o Espírito Santo…”, “Dando, nisto, a entender, o Espírito Santo…” (Heb. 3:7; 9:8). 

Os escritores do Novo Testamento reconheceram o Espírito Santo como fonte, inclusive, das mensagens que eles próprios emitiam. Paulo explicou: “Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé” (I Tim. 4:1). João falou de se ter achado “no Espírito, no dia do Senhor” (Apoc. 1:10, AAB). E Jesus deu instruções aos Seus apóstolos por intermédio do Espírito Santo (Atos 1:2; cf. Efé. 3:3-5). 

Portanto, Deus, na pessoa do Espírito Santo, revelou-Se através das Sagradas Escrituras. Escreveu-as, não com as próprias mãos, mas com outras, cerca de quarenta pares, num período de mais de 1500 anos. Ora, uma vez que Deus, pelo Espírito Santo, inspirou os escritores, Deus é o autor da Bíblia. 

Inspiração das Escrituras 

“Toda a Escritura”, diz Paulo, “é inspirada por Deus” (II Tim. 3:16). A palavra grega theopneustos, traduzida como “inspirada por Deus”, significa literalmente “insuflada por Deus”. Deus “insuflou” a verdade na mente dos homens. Eles, por sua vez, exprimiram-na com as palavras que encontramos nas Escrituras. A inspiração é, por consequência, o processo pelo qual Deus comunica a Sua eterna verdade. 

O processo da inspiração. A revelação divina foi dada por inspiração a homens que “falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (II Ped. 1:21, AAB). Estas revelações foram concretizadas em linguagem humana com todas as suas limitações e imperfeições, continuando, porém, a ser o testemunho de Deus. Deus inspirou homens – não palavras. 

Tiveram os profetas um papel tão passivo como o dos gravadores de som que reproduzem exatamente aquilo que se grava? Houve ocasiões em que os escritores receberam a ordem de utilizar as palavras exatas ditadas por Deus, mas, na maioria dos casos, Deus ordenou-lhes que descrevessem, da melhor maneira que pudessem, o que tinham visto e ouvido. Nestes casos, os escritores usavam a sua própria linguagem e o seu estilo pessoal. 

Paulo observou que “os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas” (I Cor. 14:32). A inspiração genuína não anula a individualidade, a razão, a integridade ou a personalidade do profeta. 

Até certo ponto, a relação entre Moisés e Aarão ilustra aquela que existe entre o Espírito Santo e o escritor. Deus disse a Moisés: “Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó, e Aarão, teu irmão, será o teu profeta” (Êxodo 7:1; cf. 4:15 e 16).
Moisés informou Aarão acerca das mensagens de Deus e, por sua vez, Aarão comunicou-as a Faraó, utilizando o seu próprio estilo e vocabulário. Do mesmo modo, os escritores bíblicos exprimiram as ordens, os pensamentos e as ideias de Deus, utilizando o seu próprio estilo de linguagem. É por Deus comunicar deste modo que o vocabulário dos diferentes livros da Bíblia é variado e reflete o grau de instrução e a cultura dos escritores. 

A Bíblia “não é a maneira de pensar e exprimir-se de Deus … Os homens dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não a Sua pena”. “A inspiração não atua nas palavras do Homem ou nas suas expressões, mas no próprio Homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As palavras, porém, recebem o cunho da mente individual… A mente divina, bem como a Sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do Homem são a Palavra de Deus.”

Num único caso se vê que Deus falou e escreveu as palavras exatas – os Dez Mandamentos. Eles são de redação divina, não humana (Êxodo 20:1-17; 31:18; Deut. 10:4 e 5), e mesmo assim tiveram de ser expressos dentro dos limites da linguagem humana. 

A Bíblia é, pois, a verdade divina expressa em linguagem humana. Imagine-se o que seria explicar física quântica a um bebé. O problema de Deus é semelhante quando tenta comunicar as verdades divinas à Humanidade limitada e pecadora. São as nossas limitações que restringem o que Ele pode comunicar-nos. 

Existe um paralelo entre a incarnação de Jesus e a Bíblia. Jesus era uma combinação de Deus e de homem, o divino e o humano reunidos num só. Também a Bíblia é divina e ao mesmo tempo humana. Como foi dito de Cristo, também se pode afirmar da Bíblia que “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (João 1:14). Esta combinação divino-humana torna a Bíblia num caso único em toda a literatura. 

A inspiração e os escritores. O Espírito Santo preparou certas pessoas para a comunicação da verdade divina. A Bíblia não explica em pormenor como o Espírito tornou essas pessoas aptas, mas Ele formou, de certo modo, uma união entre o divino e o agente humano. 

Aqueles que tomaram parte na redação da Bíblia não foram escolhidos em virtude dos seus talentos naturais. Tão-pouco a revelação divina converte necessariamente a pessoa ou lhe assegura a vida eterna. Balaão proclamou uma mensagem divina sob inspiração, enquanto realizava um ato contrário aos conselhos de Deus (Núm. 22-24). David, que foi usado pelo Espírito Santo, cometeu crimes graves (cf. Sal. 51). Todos os escritores da Bíblia foram homens de natureza pecadora, necessitando diariamente da graça de Deus (cf. Rom. 3:12). 

A inspiração que os escritores bíblicos experimentaram era mais do que iluminação ou guia divina, pois esta é a experiência de todos aqueles que procuram a verdade. Efetivamente, os escritores bíblicos chegaram mesmo a escrever sem compreender inteiramente a mensagem divina que comunicavam (I Ped. 1:10-12). 

A maneira como os escritores respondiam às mensagens que transmitiam não era uniforme. Daniel e João disseram que ficaram em grande perplexidade por causa do que escreveram (Dan. 8:27; Apoc. 5:4). O texto de I Pedro 1:10 indica que vários escritores procuraram entender o sentido das suas mensagens ou das mensagens de outros. Por vezes, esses indivíduos tinham receio de proclamar uma mensagem inspirada e alguns deles foram ao ponto de se debater com Deus (Hab. 1; Jonas 1:1-3; 4:1-11). 

O método e o conteúdo da revelação. O Espírito Santo comunicou frequentemente o conhecimento divino por meio de visões e sonhos (Núm. 12:6). Às vezes falava audivelmente ou aos sentidos interiores da pessoa. Deus falou “aos ouvidos de Samuel” (I Sam. 9:15). Zacarias teve visões com representações simbólicas, juntamente com explicações (Zac. 4). As visões do Céu que Paulo e João receberam foram acompanhadas de instruções orais (II Cor. 12:1-4; Apoc. 4 e 5). Ezequiel observou acontecimentos que decorriam noutro lugar (Eze. 8). Alguns escritores tomaram parte ativa nas visões, desempenhando certas funções como parte da própria visão (Apoc. 10). 

Quanto ao conteúdo, a alguns profetas o Espírito revelou acontecimentos que estavam ainda por ocorrer (Dan. 2, 7 e 8, 12). Outros escritores registaram acontecimentos históricos, quer baseando-se na sua própria experiência quer compilando materiais contidos em registos históricos (Juízes, I Samuel, II Crónicas, os Evangelhos, os Atos). 

Inspiração e história. A asserção bíblica de que “toda a Escritura é inspirada por Deus” ou “insuflada por Deus”, útil e autorizada como norma de vida moral e espiritual (II Tim. 3:15 e 16, AAB; RSV; NIV), não deixa dúvidas quanto à guia divina no processo de seleção. Quer a informação fosse proveniente de observação pessoal, oral ou de documentos escritos, quer de revelação direta, toda ela chegava ao conhecimento do escritor sob a orientação do Espírito Santo. Isto garante a fidedignidade da Bíblia. 

A Bíblia revela o plano de Deus na sua interação dinâmica com a raça humana, não numa coleção de doutrinas abstratas. A revelação que Deus faz de Si mesmo fundamenta-se em acontecimentos reais que tiveram lugar em tempos e lugares definidos. A confiança que merecem as narrativas históricas é extremamente importante, por formarem o enquadramento da nossa compreensão do caráter de Deus e dos Seus desígnios para nós. Uma compreensão exata leva à vida eterna, mas uma visão incorreta leva à confusão e à morte. 

Deus ordenou a certos homens que escrevessem uma história das Suas relações com Israel. Estas narrativas históricas, escritas de um ponto de vista diferente daquele que tem um historiador secular, abrangem uma importante parte da Bíblia (cf. Núm. 33:1 e 2; Josué 24:25 e 26; Eze. 24:2). Fornecem-nos uma história exata e objetiva do ponto de vista divino. O Espírito Santo deu aos escritores o entendimento necessário para poderem registar acontecimentos relacionados com o conflito entre o bem e o mal, que demonstrassem o caráter de Deus e orientassem as pessoas na procura da salvação. 

Os incidentes históricos são “tipos” ou “exemplos” escritos “para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (I Cor. 10:11). Paulo escreve: “Porque tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Rom. 15:4).
A destruição de Sodoma e Gomorra serve de “exemplo” ou aviso (II Ped. 2:6; Judas 7). A experiência da justificação de Abraão é um exemplo para todos os crentes (Rom. 4:1-25; Tiago 2:14-22). As próprias guerras civis do Antigo Testamento, repletas de profundo significado espiritual, foram escritas para nosso benefício hoje (I Cor. 10:11). 

Lucas explicou que escrevera o seu Evangelho porque queria fazer um relato da vida de Jesus “para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído” (Luc. 1:4, AAB). O critério de João na escolha dos acontecimentos da vida de Jesus a incluir no seu Evangelho foi “para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (João 20:31). Deus influenciou os escritores da Bíblia a apresentar a história de uma maneira que nos conduzisse à salvação. 

As biografias de personagens bíblicos são mais uma evidência da inspiração divina. Esses relatos tanto apresentam as forças como as fraquezas de caráter. Descrevem fielmente os pecados, juntamente com os êxitos dos biografados. 

Não se encobre a atitude intemperante de Noé nem a falsidade de Abraão. Registam-se os acessos de mau génio de Moisés, de Paulo, de Tiago e de João. A história bíblica expõe as falhas do mais sábio dos reis de Israel e as fraquezas dos doze patriarcas e dos doze apóstolos. A Escritura não procura desculpá-los nem minimizar os erros que cometeram. Descreve-os a todos segundo aquilo que foram ou deixaram de ser pela graça de Deus. Sem a inspiração divina, nenhum biógrafo poderia escrever uma análise tão percetiva. 

Os escritores da Bíblia viram todas as narrativas históricas que ela contém como verdadeiros registos históricos, não como mitos ou símbolos. Muitos céticos do nosso tempo rejeitam as histórias de Adão e Eva, de Jonas e do Dilúvio. No entanto, Jesus aceitou-as como historicamente exatas e espiritualmente importantes (Mat. 12:39-41; 19:4-6; 24:37-39). 

A Bíblia não ensina a inspiração parcial ou os graus de inspiração. Estas teorias são especulações que roubam à Bíblia a sua autoridade divina. 

A exatidão das Escrituras. Assim como Jesus “se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14), também, para podermos compreender a verdade, a Bíblia foi dada em linguagem humana. A inspiração das Escrituras garante a sua fidedignidade. 

Até que ponto salvaguardou Deus a transmissão do texto, para além de assegurar que a sua mensagem é válida e verdadeira? É manifesto que, apesar de os manuscritos antigos variarem, as verdades essenciais têm sido preservadas. Embora seja perfeitamente possível que os copistas e tradutores da Bíblia tenham cometido erros de menor importância, as descobertas da arqueologia bíblica têm revelado que muitos alegados erros eram, na realidade, equívocos da parte dos investigadores. Alguns desses problemas surgiram porque as pessoas liam a história e os costumes bíblicos com olhos ocidentais. 

Temos de admitir que o conhecimento dos seres humanos é apenas parcial – a sua perceção da intervenção divina na história da Humanidade continua a ser fragmentária. 

Aparentes contradições não devem, portanto, abalar a nossa confiança nas Escrituras; elas são muito mais vezes resultado da nossa perceção imperfeita do que de verdadeiros erros. Poderemos duvidar de Deus quando encontramos uma frase ou um texto que não conseguimos compreender inteiramente? Nunca seremos capazes de explicar cada versículo das Escrituras, mas não somos obrigados a fazê-lo. As profecias cumpridas confirmam que a Bíblia é fiel. 

A despeito das tentativas que se fizeram para destruir a Bíblia, esta tem sido preservada com uma acuidade espantosa, mesmo prodigiosa. A comparação dos manuscritos do Mar Morto com outros mais recentes do Antigo Testamento demonstra o cuidado com que ela tem sido transmitida. Aqueles rolos confirmam a fidelidade e a exatidão das Escrituras como revelação infalível da vontade de Deus. 

A Autoridade das Escrituras 

As Escrituras possuem autoridade divina porque nelas Deus falou por intermédio do Espírito Santo. Por isso, a Bíblia é a Palavra de Deus escrita. Onde está a prova desta afirmação e que implicações tem na nossa vida e na nossa procura de conhecimento? 

O que a Bíblia pretende ser. Os escritores da Bíblia afirmam que as suas mensagens vêm diretamente de Deus. Ela é “a palavra do Senhor” que Se dirigiu a Jeremias, a Ezequiel, a Oseias e a outros (Jer. 1:1 e 2, 9; Eze. 1:3; Oseias 1:1; Joel 1:1; Jonas 1:1). Como mensageiros do Senhor (Ageu 1:13; II Cró. 36:16), os profetas de Deus receberam instruções para falar em Seu nome, proferindo as palavras “Assim diz o Senhor” (Eze. 2:4; cf. Isa. 7:7). Estas palavras constituem as suas credenciais e a autoridade divina de que são investidos. 

Por vezes, o agente humano de que Deus Se serve passa para o último plano. Mateus alude à autoridade que está por trás do profeta do Antigo Testamento, que ele cita, com as seguintes palavras: “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta” (Mat. 1:22). Ele considera que o Senhor é o agente direto, a autoridade; o profeta é um intermediário. 

Pedro classifica os escritos de Paulo como Escrituras (II Ped. 3:15 e 16).
E Paulo dá testemunho acerca daquilo que ele próprio escreve: “Porque não o recebi, nem aprendi, de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” (Gál. 1:12). Os escritores do Novo Testamento aceitaram as palavras de Cristo como Escrituras e consideraram-nas como possuindo autoridade igual à dos escritos do Antigo Testamento (I Tim. 5:18; Luc. 10:7). 

Jesus e a autoridade das Escrituras. Jesus salientou, ao longo do Seu ministério, a autoridade das Escrituras. Quando foi tentado por Satanás ou quando enfrentou os Seus opositores, a defesa e o ataque a que recorreu foram as palavras “Está escrito” (Mat. 4:4, 7, 10; Luc. 20:17). “Não só de pão viverá o homem”, disse Ele, “mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mat. 4:4). Quando Lhe perguntaram como se podia entrar na vida eterna, respondeu: “Como está escrito na lei? Como lês?” (Luc. 10:26.)

Jesus colocou a Bíblia acima das tradições e opiniões humanas. Repreendeu os Judeus por não respeitarem a autoridade das Escrituras (Mar. 7:7-9) e mandou-os estudá-las mais atentamente com perguntas como estas: “Nunca lestes nas Escrituras…?”, “Ainda não lestes esta Escritura…?” (Mat. 21:42;
cf. Mar. 12:10, 26). 

Cristo acreditava firmemente na autoridade da palavra profética e revelou que ela apontava para Si próprio. As Escrituras, disse Ele, “testificam de mim”. “Se de facto crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito” (João 5:39, 46, AAB). Na mais convincente afirmação acerca da Sua missão divina, Cristo alegou que cumpria a profecia do Antigo Testamento (Luc. 24:25-27). 

Portanto, Cristo aceitou sem reservas as Sagradas Escrituras como a autorizada revelação da vontade de Deus para a raça humana. Considerou as Escrituras como um corpo de verdade, uma revelação objetiva, dada para fazer a Humanidade sair das trevas das falsas tradições e dos mitos para a luz verdadeira de um conhecimento que leva à salvação. 

O Espírito Santo e a autoridade das Escrituras. Durante a vida de Jesus, os chefes religiosos e a multidão despreocupada não discerniram a Sua verdadeira identidade. Alguns acharam que Ele era um profeta como João Batista, Elias ou Jeremias – simplesmente um homem. Quando Pedro confessou que Jesus era “o Cristo, o Filho do Deus vivo”, o Mestre fez-lhe notar que fora a iluminação divina que tornara possível a sua confissão (Mat. 16:13-17). Paulo salienta esta verdade: “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (I Cor. 12:3). 

O mesmo acontece com a Palavra de Deus escrita. Sem a iluminação do Espírito Santo, a nossa mente nunca poderia compreender corretamente a Bíblia, nem mesmo reconhecer nela a vontade soberana de Deus. Porque “ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus” (I Cor. 2:11), segue-se que “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (I Cor. 2:14). Consequentemente, “a palavra da cruz é loucura para os que perecem” (I Cor. 1:18). 

Só com a ajuda do Espírito Santo, que perscruta “as profundezas de Deus” (I Cor. 2:10), nos podemos convencer da autoridade da Bíblia como revelação de Deus e da Sua vontade. É então que a cruz se torna “o poder de Deus” (I Cor. 1:18) e podemos associar-nos ao testemunho de Paulo: “Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (I Cor. 2:12). 

As Sagradas Escrituras e o Espírito Santo nunca se podem separar. O Espírito Santo é simultaneamente o autor e o revelador da verdade bíblica. 

A autoridade das Escrituras na nossa vida aumenta e diminui de acordo com o conceito que temos de inspiração. Se entendermos a Bíblia como uma simples coleção de testemunhos humanos, ou se a autoridade que lhe atribuímos depender, de algum modo, da maneira como ela mexe com os nossos sentimentos e emoções, solapamos a sua autoridade na nossa vida. Mas quando discernimos a voz de Deus a falar por intermédio dos escritores, por mais fracos e humanos que eles tenham sido, as Escrituras tornam-se na autoridade absoluta em matéria de doutrina, de admoestação, de correção e de instrução em justiça (II Tim. 3:16). 

O âmbito da autoridade escriturística. As contradições entre a Escritura e a Ciência resultam frequentemente da especulação. Quando não conseguimos harmonizar a Ciência com a Escritura, é porque temos “uma compreensão imperfeita, quer da Ciência quer da revelação … mas, corretamente entendidas, estão em perfeita harmonia”. 

Toda a sabedoria humana se deve submeter à autoridade da Escritura. As verdades bíblicas são a norma pela qual todas as outras ideias devem ser provadas. Julgar a Palavra de Deus por padrões humanos finitos é como tentar medir as estrelas com um metro. A Bíblia não se pode submeter a normas humanas. É superior a toda a sabedoria e literatura humanas. Ao contrário de julgar a Bíblia, todos serão julgados por ela, pois é o padrão do caráter e a prova de toda a experiência e pensamento. 

Finalmente, as Escrituras têm autoridade até mesmo sobre os dons que procedem do Espírito Santo, incluindo o de ser guiado pelo dom da profecia ou o de falar em línguas (I Cor. 12; 14:1; Efé. 4:7-16). Os dons do Espírito não substituem a Bíblia; devem, com efeito, ser provados pela Bíblia, e se não estiverem de acordo com ela, devem ser rejeitados como não genuínos. “À Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva” (Isa. 8:20). 

A Unidade das Escrituras 

Uma leitura superficial da Escritura resultará numa compreensão superficial da mesma. Lida desse modo, a Bíblia pode parecer uma confusão de histórias, sermões e registos históricos. No entanto, os que estiverem abertos à iluminação do Espírito de Deus, aqueles que quiserem investigar para encontrar as verdades ocultas, com paciência e muita oração, descobrirão que a Bíblia dá provas de uma subjacente unidade naquilo que ensina acerca dos princípios da salvação. A Bíblia não é monotonamente uniforme. Pelo contrário, compreende uma rica e colorida diversidade de testemunhos harmoniosos de rara e distinta beleza. E, pela sua variedade de perspetivas, está mais apta a satisfazer a necessidade humana em todas as épocas. 

Deus não Se revelou a Si mesmo à Humanidade numa série contínua de discursos ininterruptos, mas a pouco e pouco, durante gerações sucessivas. Escritos por Moisés num campo de Midian ou por Paulo numa prisão romana, os seus livros revelam a mesma comunicação inspirada pelo Espírito. 

Uma noção correta desta “revelação progressiva” contribui para a compreensão da Bíblia e da sua unidade. 

Apesar de escritas em diferentes gerações, as verdades do Velho e do Novo Testamentos mantêm-se inseparáveis; não se contradizem uma à outra. Os dois Testamentos são um, tal como Deus é um só. O Antigo Testamento, por intermédio de profecias e símbolos, revela o Evangelho do Salvador que havia de vir; o Novo Testamento, por meio da vida de Jesus, revela o Salvador que veio
– o Evangelho na realidade. Ambos revelam o mesmo Deus. O Antigo Testamento serve de fundamento para o Novo, fornece a chave para descerrar o Novo; enquanto o Novo explica os mistérios do Antigo. 

Na Sua misericórdia, Deus pede-nos que nos familiarizemos com Ele pelo exame da Sua Palavra. Nela podemos encontrar a grande bênção da certeza da salvação. Podemos descobrir por nós mesmos que as Escrituras são proveitosas “para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça”. Por seu intermédio, podemos ser “perfeitos e perfeitamente instruídos para toda a boa obra” (II Tim. 3:16 e 17).